Temos bons médicos porque durante décadas a profissão de médico era vista como prestigiante, com estatuto social e que garantia um futuro promissor. Por essa razão, os pais desejavam que os filhos fossem para Medicina. Por essa razão, invariavelmente, os melhores alunos iam para Medicina. Nada de errado nisto. É a natureza humana. Se isto se alterar, muita coisa vai mudar e para pior.
Ora, o segredo do sucesso do nosso SNS é que os médicos foram respeitados, valorizados e nunca os obrigaram a escolher entre o SNS e a atividade privada. E muito menos foram obrigados a emigrar como tem acontecido no passado recente.
Se hoje estamos com falta de médicos, obrigando por isso ao fecho de urgências nesta época do ano, muito será devido à baixa capacidade de atração e retenção por parte do SNS.
É absurdo um médico passar pela exigência académica do curso, pelos exames competitivos pela escolha da especialidade (para quem não sabe, existem numerus clausus para cada especialidade), pelo Internato da mesma (já vamos em dez/doze anos), estar sujeito a horários completamente disfuncionais (bancos) e começar por receber mil e tal euros no SNS.
Tudo isto mais parece um ataque à profissão. Mas até aqui se vê o quanto a ideologia é cega, pois quanto piores forem as condições para os médicos no SNS, melhor será para o privado. Fica mais fácil e mais barato atraí-los.
Não queiram proletarizar os médicos. Defender os seus “privilégios” é defender os nossos bons cuidados de saúde.
Artigo publicado no Dinheiro Vivo.