Num ano que em muito se tem contestado o constitucionalmente consagrado direito à habitação (artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa), a produção legislativa nesta área tem-se manifestado inquieta, não existindo dúvidas, aliás, das pretensões dos sucessivos governos.
Interessa esclarecer, portanto, a forma como dois tópicos normativos interagem entre si:
i. o atraso na regulamentação da garantia pessoal do Estado para o crédito à habitação de jovens até aos 35 anos e consequente aplicação prática (DL n.º 44/2024);
ii. a exclusão de tributação de mais-valias, em sede de IRS, no crédito à habitação dos descendentes do sujeito passivo (artigo 50.º, n.º 1 da Lei 56/2023).
As promessas da facilitação do acesso à habitação para os jovens com idade inferior a 35 anos foram efetivamente aprovadas pelo XXIV Governo Constitucional, tendo-se refletido, por exemplo, na aprovação da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo (IS) na aquisição da primeira habitação própria e permanente. Juntamente com tal medida foi, também, aprovada a possibilidade de o Estado poder prestar garantia pessoal a instituições de crédito (DL n.º 44/2024).
Contrariamente à isenção do IMT e IS que entrou em vigor menos de 1 mês após a publicação do respetivo decreto, a 1 de agosto de 2024, a garantia pessoal do Estado encontra-se, ainda, a aguardar regulamentação, findo o prazo estabelecido no próprio Decreto-Lei que a aprovou, a 10 de julho de 2024, que determinava 60 dias para o efeito. Esta regulamentação está a ser ainda produzida pelas entidades competentes, o que se compreende quando analisados os prévios avisos dados pelos intervenientes neste tema.
Por outro lado, está em vigor, até ao dia 31 de dezembro de 2024, uma norma transitória, prevista no n.º 1 do artigo 50.º da Lei 56/2023, que possibilita os pais, sujeitos passivos de IRS, de excluírem a tributação de mais-valias na transmissão de imóveis ou terrenos para construção que não constituam habitação própria e permanente. Tal é possível, até à data referida, desde que, cumulativamente, o valor da venda, deduzido de uma eventual amortização de crédito bancário para tal aquisição, seja aplicado na amortização de capital em dívida em crédito à habitação destinado a habitação própria e permanente dos seus descendentes e esta amortização ocorra até 3 (três) meses após a venda.
Ora, este conjunto de medidas poderia permitir aos jovens portugueses, com menos de 35 anos, com famílias que tal capacidade tivessem, colocar um interesse adicional na tão desejada aquisição de uma casa para o alcance da real independência: por um lado, os pais poderiam vender imóveis e terrenos para construção que tivessem, no atual mercado imobiliário, altamente beneficiador para quem vende, sem que tal resultasse, no limite, na tributação de mais-valias e, por outro lado, os filhos poderiam beneficiar da venda de património dos pais na sua própria esfera com a adicional garantia pública do Estado. Porém, tal não é atualmente possível.
Os jovens portugueses que estejam em processo de aquisição da primeira habitação própria permanente podem, de facto, usufruir de um benefício fiscal na esfera jurídica dos seus pais em adição a outros na sua esfera, mas não poderão, ainda, candidatar-se à prestação da garantia pessoal do Estado para a viabilização da concessão de crédito por instituições financeiras.
A pouco mais de 3 meses do final do ano, altura em que deixará de estar em vigor a exclusão de tributação prevista no n.º 1 do artigo 50.º da Lei 56/2023, com a expectativa de que a regulamentação da garantia pessoal do Estado neste tipo de créditos seja, a qualquer momento, publicada, preveem-se poucos os jovens que poderão usufruir do mais vasto leque de benefícios normativos, poupando-lhes, em alguns casos, várias dezenas de milhares de euros.
A aproximação do final do ano, a extinção na exclusão de tributação de mais-valias nos termos elencados acima e a instabilidade na governação que poderá advir da discussão da Lei do Orçamento de Estado para 2025, levam a crer que, além destas questões normativas que importam esclarecer e os desafios conhecidos da concessão de um crédito à habitação, bem como da regulação da garantia pessoal do Estado, poderá ser, também, um desafio na aquisição de imóveis pelos jovens, a disponibilidade das entidades autenticadoras para o ato, com a corrida ao conjunto de benefícios aparentemente em vigor, pelo menos, até ao dia 31 de dezembro de 2024.
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