Com a entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho introduzidas ao abrigo da Agenda do Trabalho Digno, surge a nova “presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital” (Artigo 12.º-A do Código do Trabalho).
Com a implementação desta nova legislação, têm chegado vários processos aos tribunais e várias têm sido as divergências associadas às suas decisões.
Foi em fevereiro do ano 2024 que surgiu a primeira decisão judicial a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo a um estafeta da Uber Eats, com efeitos retroativos a 1 de maio de 2023.
O Tribunal de Trabalho de Lisboa considerou que a plataforma controlava a atividade do estafeta, as tarefas que este executava, fixava uma retribuição pelo trabalho prestado, determinava e regulava o uso de equipamentos de trabalho, assim como tinha total acesso à localização do trabalhador, podendo, inclusive, desativar a sua conta. Todos estes elementos foram considerados indícios da existência de um contrato de trabalho e da existência de uma relação de dependência entre o estafeta e a plataforma.
Tendo salientado a referida sentença que, de acordo o disposto no Artigo 12.º-A do Código do Trabalho, para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho basta que se demonstrem dois dos seis indícios de laboralidade previstos neste normativo legal.
Dois meses depois, em sentido totalmente oposto, surge uma sentença do Tribunal de Trabalho de Portimão a considerar que não estão verificados os indícios do artigo 12.º-A, rejeitando o reconhecimento da existência do contrato de trabalho a 27 estafetas da Glovo. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) veio confirmar tal entendimento, considerando, para o efeito, que o estafeta pode aceitar ou rejeitar os serviços, podendo rejeitar mesmo depois de ter aceitado, sem que tal tenha qualquer impacto na sua conta na aplicação ou na atribuição de futuros serviços. Este Tribunal baseia ainda a sua fundamentação no argumento de que o estafeta pode limitar o acesso à sua localização e que pode escolher o transporte utilizado e o percurso a seguir.
Em termos sintéticos, o TRE considerou que os estafetas gozam de uma ampla autonomia na prestação da sua atividade e que a plataforma não determina nem controla aspetos significativos da prestação da atividade.
Recentemente, o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) defendeu que, à semelhança da primeira decisão aqui referida, deveria ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho a um estafeta de uma plataforma digital e considerou que a ausência de certos indícios tradicionalmente associados a um contrato de trabalho, tais como o horário, local e instrumentos de trabalho não é incompatível com o reconhecimento de um vínculo laboral.
O ponto central desta decisão do TRG é a subordinação jurídica, porquanto, entende este Tribunal que o prestador está inserido num ciclo produtivo de trabalho e em proveito de outrem, estando obrigado a parâmetros de organização e funcionamento. Quanto à retribuição, este Tribunal entendeu que, mesmo existindo o pagamento de uma quantia certa e periódica, isso não afasta qualquer presunção, pois os critérios de determinação dessa retribuição não são fixados pelo prestador, mas sim pelo beneficiário, não tendo o estafeta qualquer margem para estipular a sua retribuição, como sucede nos “verdadeiros” contratos de prestação de serviços.
Já em Janeiro de 2025, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) veio pronunciar-se pelo não reconhecimento de um contrato de trabalho relativamente a um estafeta de uma plataforma digital, dando especial relevância aos critérios da autonomia e da falta de exclusividade.
Segundo os dados da ACT, a maioria dos tribunais de primeira instância não reconhece a existência de contrato de trabalho aos estafetas de plataformas digitais, o que tem motivado diversos recursos para os tribunais superiores.
Em sede de recurso, as decisões dos tribunais superiores quanto a esta matéria vão em diferentes sentidos, não existindo consenso sobre a aplicabilidade dos conceitos jurídicos aqui em causa, nomeadamente, os conceitos de local de trabalho, instrumentos de trabalho, horário, retribuição, subordinação, poder de controlo e direção.
Tendo em conta este histórico, é de supor que as decisões judiciais continuem a seguir diferentes sentidos sobre esta temática, até porque cada caso é um caso, sendo previsível que os tribunais continuem a ser confrontados com casos idênticos nos próximos tempos.