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Cheques prescritos

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A utilização de cheques prescritos como título executivo

Um indivíduo que se faça pagar por meio de um cheque fica obrigado a apresentá-lo a pagamento num prazo de 8 dias. Não o sendo, só poderá agir até ao fim do prazo de 6 meses após o termo do prazo de apresentação, conforme disposto no art. 52º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.

E se o credor deixar passar esses seis meses?

A verdade é que, embora prescritos, os cheques valerão sempre como meros quirógrafos da relação, conforme confirmado por jurisprudência e doutrina maioritária, desde que se aleguem, no requerimento executivo, os factos constitutivos da relação causal subjacente.

Isto é, embora a natureza cambiária e abstrata de título de crédito se tenha perdido, a relação causal subjacente mantém-se, continuando a valer como título executivo, nos termos do art. 703º/c) do CPC.

Há um entendimento jurisprudencial maioritário, acompanhado pela posição doutrinal do Professor Lebre de Freitas, que isto só funciona nas relações imediatas (ou seja, nas relações diretas entre emitente e credor), e que não funcionará se um cheque for endossado, podendo assim ser equiparado ao art. 458º do CC – reconhecimento de dívida.

Com efeito, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2014, “nada vemos que impeça que um título cambiário que não possa valer como título executivo (no caso por a obrigação cambiária se mostrar prescrita), possa ter validade como documento particular assinado pelo devedor e, como tal, possa ser considerado título executivo […]”, in www.dgsi.pt.

Pois, “Essencial é que seja assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias e o montante seja determinado ou possa ser determinável, por simples cálculo aritmético. Este entendimento, aliás, tem sido consensual na jurisprudência mais recente deste STJ (vide entre outros o recente Acórdão deste STJ de 20-2-2014 – www.dgsi.pt/jstj.nsf e a jurisprudência que aí se indica[2]).”, in www.dgsi.pt.

Indo a jurisprudência ainda mais longe, estendendo este juízo a cheques que não tenham sido sequer apresentados a pagamento, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.05.2015, dizendo que “podem valer os títulos de crédito que não obedeçam integralmente aos requisitos impostos pela respectiva Lei Uniforme como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que os factos constitutivos desta resultem do próprio título ou sejam articulados pelo exequente no respectivo requerimento executivo, revelando plenamente a verdadeira «causa petendi» da execução e propiciando ao executado efectiva e plena possibilidade de sobre tal matéria exercer o contraditório […]”

Porquanto, “ […] na verdade, e embora o cheque, pela sua peculiar fisionomia, não contenha uma declaração confessória, expressa e directa, de um débito do executado perante o exequente, constitui um quirógrafo ou documento particular, dotado de valor probatório contra o respectivo signatário, nos termos dos arts. 373º e segs. do CC, e que, conjugado com a actividade de alegação complementar do exequente, poderá indiciar, com um grau de probabilidade suficiente para a execução poder prosseguir, a existência da obrigação causal que funciona como « causa petendi» da acção executiva. […]”

Pois “ […] na realidade do comércio jurídico, a ordem de mobilização de fundos contida no cheque implicará normalmente, ao menos de forma tácita, a admissão da existência de um débito causal perante o respectivo titular, a saldar precisamente através da sua apresentação a pagamento; ou seja embora: a subscrição do cheque, não contenha uma expressamente verbalizada confissão de dívida ou promessa de pagamento do sacador ao exequente, constitui um facto que, com toda a probabilidade, revela a existência e admissão pelo devedor de uma obrigação causal subjacente à respectiva emissão, delineada, nos seus elementos constitutivos essenciais, pelo credor no requerimento executivo.”

Constituindo a pedra de toque a possibilidade de se provar, ou não, que existe uma inequívoca confissão de dívida por parte do devedor, nos montantes peticionados, podendo um credor lançar mão imediatamente de uma acção executiva, não tendo que utilizar os meios declarativos anteriormente, afigurando-se uma solução claramente vantajosa.