Evolução da oferta de produtos de férias de longa duração tem sido galopante e há entidades a operar de forma ilegal. Explicamos.
O turismo é um setor com um forte peso no PIB nacional e à sua volta surgem vários negócios e produtos de férias de longa duração, que têm contribuido também para o dinamismo do mercado imobiliário. E se há quem decida comprar uma segunda residência para passar férias, nos moldes convencionais, outros optam antes por investir numa casa de férias numa lógica de‘time-sharing’ (estrangeirismo habitualmente utilizado). Mas há cuidados a ter, uma vez que têm surgido no mercado entidades que atuam de forma ilegal. Hoje explicamos tudo sobre este conceito, com fundamento legal.
Em Portugal, existe um diploma legal que instituiu o Direito Real de Habitação Periódica, aplicado a unidades de alojamento integradas em hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos. Mas há muito mais a saber.
Cara e coroa do time-sharing, um negócio em alta
Portugal é um país com reconhecidos atributos turísticos: a boa gastronomia, o clima ameno, as praias com extensos areais e as mais recônditas, as pessoas… e, claro, os inúmeros empreendimentos turísticos, recorrentemente premiados internacionalmente. Tudo combinado tem mantido o país no topo dos destinos mundiais e levado à criação e desenvolvimento de diversos produtos comercializados pelos diversos atores económicos deste setor.
“E este desenvolvimento de modelos de negócio, criação de novos e massificação dos mesmos, tem como consequência a necessidade de regulação“, tal como explica a CRS Advogados referindo-se ao ‘time-sharing’, neste artigo preparado para o idealista/news, dando nota de que em Portugal essa regulação iniciou-se há quase 40 anos, através de um diploma legal que instituiu o Direito Real de Habitação Periódica. Desde então, foram inúmeras as alterações, que têm representando a evolução da experiência com a realidade.
Entidades ilegais promovem estes produtos – cuidados a ter com o time-sharing
O desenvolvimento desta atividade tem trazido benefícios para os consumidores, com o aumento da diversidade de produtos e estimulação da competitividade entre os diversos agentes, mas tem também significado a introdução no mercado de entidades que atuam de forma ilegal, enganado os consumidores.
A maioria dos leitores conhecerá a expressão ‘Time-Sharing‘, que é um estrangeirismo usado de forma genérica para expressar produtos de férias de longa duração.
O mais utilizado no comércio jurídico e, por força disso mesmo, mais regulado, é o já enunciado Direito Real de Habitação Periódica. É um direito que se pode constituir sobre unidades de alojamento integradas em hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos. Este direito tem como limite mínimo de duração um período de 1 ano, contudo, pode mesmo ser perpétuo e o seu exercício está limitado a um período de tempo determinado ou determinável em cada ano.
A segurança dos consumidores é desde logo garantida pela obrigação imposta ao proprietário das unidades de alojamento, em submeter ao Turismo de Portugal um pedido para poder constituir direitos reais de habitação periódica, sendo que a sua constituição a favor dos consumidores implica um ato formal, visto que é realizada através de escritura pública ou documento particular autenticado.
As obrigações do vendedor num negócio de time-sharing
Aquando da celebração do contrato de venda do direito, ou do contrato-promessa (a lei também regula expressamente essa possibilidade), está o vendedor obrigado a entregar ao consumidor um formulário devidamente aprovado pelas entidades competentes, com uma panóplia de informações, inscritas de forma clara e que descrevam o empreendimento turístico e os direitos e obrigações das partes, de forma detalhada.
Considerando a extensão das informações que têm obrigatoriamente de constar no referido formulário, e aqui não se reproduzem precisamente por essa extensão, diga-se a título de exemplo que tem de:
- identificar pormenorizadamente o empreendimento e a(s) unidade(s) de alojamento sob as quais incide o direito;
- indicar a duração e o período de exercício do direito;
- indicar o preço a pagar pela aquisição do direito;
- ter a descrição de custos adicionais obrigatórios, encargos periódicos;
- incluir a descrição de serviços incluídos e os não incluídos e o preço destes últimos;
- referir o modo e prazos para exercício do direito de resolução, etc.
Adicionalmente, pressupõe o registo predial, o que significa que ficará a constar da certidão do registo predial a expressa menção à existência daquele direito e seus beneficiários, garantindo a oponibilidade dos direitos adquiridos perante terceiros, bem como, a obrigação da entrega de um certificado predial ao adquirente do(s) direito(s), que é emitido pela Conservatória do Registo Predial e no qual se faz também constar um conjunto vasto de informações.
Como funcionam os direitos de transmissão nestes produtos de férias de longa duração
Note-se que o legislador prevê expressamente a possibilidade de o(s) direito(s) serem transmitidos, a título oneroso ou gratuitamente, sem necessidade da concordância do proprietário do empreendimento ou da entidade exploradora do mesmo. Contudo, a cedência tem que ser transmitida ao proprietário/entidade exploradora, sob pena de este se poder opor.
Uma outra nota que assume especial importância para o consumidor é a expressa regulação da possibilidade de este resolver o contrato no prazo de 14 dias, sem precisar de indicar o motivo, o que se aplica igualmente aos contratos-promessa de transmissão de direitos reais de habitação periódica. Durante este prazo estará vedado ao vendedor receber qualquer quantia a título de sinal ou antecipação de pagamento, sendo que, sem prejuízo disso, todas as quantias que tenham sido entregues pelo adquirente, em caso de resolução, terão que ser devolvidas a este.
Relativamente às condições e obrigações de caráter financeiro, determina-se ainda que o proprietário tenha que prestar uma caução que garante o investimento do adquirente se por algum motivo não puder exercer o seu direito, por exemplo, na hipótese do empreendimento nem sequer abrir.
As obrigações do adquirente de um produto de férias de longa duração
Quanto ao adquirente, adicionalmente ao preço do devido pela aquisição do direito, está também obrigado ao pagamento de uma prestação periódica, paga anualmente e que se destina exclusivamente a compensar o proprietário pelas despesas com os serviços de utilização e exploração, contribuições, impostos ou quaisquer outras previstas e relacionadas com a gestão do empreendimento. Esta prestação não pode ultrapassar 20% do valor total.
Aqui chegados, e depois de cumpridos pelo proprietário todos os requisitos enunciados, o consumidor tem o direito de habitar a unidade pelo período definido, usar as instalações e equipamentos de uso comum, e beneficiar dos serviços adicionais contratados, exigir ao proprietário, em caso de impossibilidade de uso da unidade de alojamento, um alojamento alternativo com características idênticas ou superiores e num local próximo, mesmo em casos de força maior ou caso fortuito e ceder onerosa ou gratuitamente o seu direito, conforme já mencionado.
Assiste também ao adquirente a participação nas Assembleias Gerais de titulares de direitos reais de habitação periódica, anualmente. Como obrigações genéricas, tem o consumidor que agir com o zelo que pressupõe uma utilização normal, respeitando as limitações do seu direito e as normas que regulam o funcionamento do empreendimento e pagar a prestação periódica, visto que, incumprindo estas obrigações, designadamente o pagamento da prestação periódica até dois meses antes do início do período de exercício do direito, fica sujeito à possibilidade do proprietário se opor ao exercício.
Direito de uso de unidades com fins turísticos
Por fim, e como foi referenciado no início do artigo, a evolução do setor turístico motivou o aparecimento de outros produtos de férias de longa duração, e que são também regulados pelo legislador, na prática, sujeitando-os às principais regras impostas para aquele direito.
Na prática, o legislador abrange todos os produtos que, não sendo classificados como um direito real de habitação periódica, pressupõem contratos através dos quais se atribui o direito de uso de unidades com fins turísticos, com duração superior a um ano, entre os quais:
- direitos de habitação de empreendimentos turísticos que não caibam naquela classificação, mas que impliquem o exercício do direito por períodos determinados;
- contratos através dos quais direta ou indiretamente se promete ou se transmitam direitos de habitação turística, entre os quais aqueles em que o consumidor beneficia de descontos ou outras vantagens a nível de alojamento e que podem também ser combinados com outros erviços de viagens, designadamente referentes a cartões e clubes de férias, cartões turísticos ou outros de natureza similar.
Condição genérica é que sejam adquiridos de forma onerosa, impliquem uma utilização limitada no tempo, e com um período mínimo de duração de um ano.
Estão excluídos, por isso:
- os contratos comuns de arrendamento;
- os sistemas de fidelidade que proporcionam descontos;
- as reservas múltiplas de alojamento.
Concluindo, a evolução dos produtos de férias de longa duração, ou ‘time-sharing’, tem sido galopante, e nem sempre o legislador consegue acompanhar a realidade. Se por um lado é importante que os atores económicos deste setor continuem a investir e a desenvolver os produtos, de forma atrativa para os consumidores, é necessário criar mecanismos razoáveis de regulação da atividade, considerando o aumento de entidades ilegais que promovem estes produtos, motivo pelo qual o processo de aquisição e transmissão destes produtos, que revestem na maioria dos casos grande complexidade, deve ser assessorado por um advogado.
Filipe Pereira Duarte, advogado da CRS Advogados