Uma das definições de incompetência poderia ser a de se saber da existência de extensas explorações agrícolas numa região, saber do número elevado de mão de obra necessária para as trabalhar, saber da necessidade urgente de soluções de habitação, saber da fixação de inúmeros trabalhadores migrantes e da sua situação necessariamente mais vulnerável, passar vários anos e não se fazer nada.
Foi o que aconteceu em Odemira. A violação dos direitos fundamentais destes migrantes envergonham-nos a todos, mas a responsabilidade é do Estado. É dele este falhanço. Mas esta história, infelizmente, não fica por aqui.
Com uma crise da covid-19 há mais de um ano, em que cada concelho já deveria ter um plano de contingência preparado, a solução necessária, adequada e proporcional que encontraram para enfrentar a crise sanitária de Odemira foi a de avançar para a requisição civil de um empreendimento turístico – o Zmar. Não havia outra solução? Não havia equipamentos públicos que pudessem ser utilizados? A resposta é provavelmente sim. O pior é que aqui já não estamos perante uma possível definição de incompetência, mas sim de prepotência. É o quero, posso e mando. E pelo caminho o nosso ministro Cabrita, o tal das golas inflamáveis, da morte do cidadão estrangeiro às mãos do SEF, entre outros episódios emblemáticos da vida política portuguesa, ainda critica o Bastonário da Ordem dos Advogados por exercer o seu papel em defesa dos direitos, liberdades e garantias.
Esta força do Estado constrói-se aos poucos, e nas pequenas coisas, como com a anunciada criação de uma residência de estudantes do ensino superior exclusivamente para filhos de funcionários públicos em Lisboa. Ora, em vez de criarem, e que tanta falta fazem, residências de estudantes para quem tem mais necessidades, criam para os filhos daqueles que optaram pelo emprego no Estado.
Verdade seja dita que ao menos aqui têm um plano, a submissão de um povo. E fazem-no à descarada. Hoje são os direitos dos migrantes de Odemira e dos proprietários do Zmar, não tarda são também os teus.
*Nuno Pereira da Cruz,
Sócio Fundador
Artigo publicado no Dinheiro Vivo