O Fisco acaba de perder um caso relacionado com o ISV e ser condenado a pagar mais de 2.600 euros a um contribuinte. Esta é a mais recente de várias “derrotas”, nos tribunais, nos últimos meses.
Os últimos meses ficaram marcados por várias “derrotas” da Autoridade Tributária (AT), nos tribunais, em casos relacionados com impostos aplicados a ginásios e até a automóveis importados. A mais recente obrigou o Fisco a devolver mais de dois mil euros a um contribuinte, num processo relacionado com o Imposto sobre Veículos (ISV).
Em conversa com o ECO, Raquel Roque, da CRS Advogados, explica que hoje os contribuintes estão “mais informados”, pelo que recorrem com maior frequência ao Centro de Arbitragem Administrativa e até mesmo aos tribunais “para fazer valer os seus direitos”, o que explica essas várias “derrotas”. Outro motivo para as várias condenações do Fisco é, diz a especialista, a violação das orientações europeias, que “Portugal tende a incumprir”. Já José Pedroso de Melo, da Telles, defende o número de casos “perdidos” pela AT tem sido constante, ao longo dos anos, mantendo-se o “equilíbrio de forças” entre o Fisco e os contribuintes.
Mas, afinal, que casos são esses que o Fisco tem “perdido”, nos tribunais?
Fisco forçado a manter desconto de 75% no ISV de híbridos
Numa decisão inédita em Portugal, o tribunal arbitral condenou a Autoridade Tributária a devolver mais de 2.600 euros a um cidadão estrangeiro que reside no Algarve, correspondendo esse montante a 75% do Imposto sobre Veículos que foi cobrado por um carro híbrido plug-in importado.
O proprietário pagou 100% do ISV, mas como entendia que deveria ter tido um desconto de 75%, dada a primeira matrícula do automóvel ser de 2019, contestou a liquidação e o tribunal arbitral deu-lhe razão, tendo o Fisco sido condenado a pagar também juros indemnizatórios, segundo adiantou o Público (acesso condicionado).
O acórdão só deverá transitar em julgado no início de setembro, mas já permite perceber que a importação de híbridos de um país da União Europeia com matrículas anteriores a 1 de janeiro de 2021 dá direito a pagar um imposto mais baixo. A partir dessa data, o Orçamento do Estado para este ano dita que só os carros híbridos com autonomia mínima de 50 km e emissões de CO2 até 50g/km podem ter um ISV correspondente a 25%.
Fisco perde caso sobre aplicação de IRC
O Supremo Tribunal Administrativo veio “tirar o tapete” ao Fisco, em junho, ao ter decidido que as empresas cujo ano fiscal seja diferente do ano civil devem poder beneficiar da atual taxa de IRC de 21%, apesar de o referido ano fiscal ter começado numa altura em que ainda se praticava uma taxa fiscal mais alta, de 23%. A decisão chegou depois de dois entendimentos contraditórios nos tribunais arbitrais e veio uniformizar a jurisprudência.
De modo geral, em sede de IRC, aplica-se o princípio da anualidade, que diz que o lucro tributável das empresas é determinado anualmente e que faz corresponder ao período de tributação o ano civil. Há, no entanto, sociedades que optam por um ano fiscal diferente do civil, tendo surgido dúvidas, nestas situações, sobre a aplicação das alterações feitas no âmbito do Orçamento do Estado de 2015. Por exemplo, no caso de uma empresa que iniciou o seu período de tributação a 1 de fevereiro de 2014 e terminou a 31 de janeiro de 2015, colocava-se em dúvida se se deveria aplicar 23% de IRC (a antiga antiga) ou 21%.
No âmbito de um processo inspetivo, o Fisco avançou com a aplicação da taxa de 23% de IRC, mas a empresa impugnou a liquidação adicional. O Jornal de Negócios (acesso pago) adiantou que essa empresa perdeu numa ação colocada no Centro de Arbitragem Administrativa, mas, noutra ação colocada por uma empresa também abrangida pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, já tinha sido tomada uma decisão em sentido contrário. O Supremo Tribunal Administrativo veio agora por um “ponto final” nas dúvidas.
AT sofre “derrota” sobre retroatividade dos impostos
Em maio, o Fisco sofreu outra “derrota”. O Tribunal Constitucional entendeu contrária à Constituição uma norma interpretativa do código do IRC presente no Orçamento do Estado para 2016 relativa à eliminação da dupla tributação económica de lucros, no caso das sociedades de seguras e das mútuas de seguros. Os juízes do Palácio Ratton sublinharam que é proibida a criação de impostos com natureza retroativa e a AT ficou obrigada a devolver cerca de 150 mil euros de imposto cobrado a mais, acrescidos de juros compensatórios.
As normas interpretativas são uma forma de o legislador “dar o seu selo a uma interpretação que já era possível daquela lei“, explica o advogado Filipe Vasconcelos Fernandes ao Jornal de Negócios. No que diz respeito especificamente a esta que o TC decidiu “chumbar”, o tribunal arbitral também a tinha considerado inconstitucional, mas o Fisco decidiu recorrer ao Palácio Ratton.
Fisco insiste e perde no IVA dos ginásios
O caso é lembrado pelo advogado José Pedroso de Melo, da Telles, que em conversa com o ECO explica que a Autoridade Tributária tem insistido na aplicação da taxa geral do IVA ginásios e serviços de nutrição e tem, vez após vez, perdido. Em abril, o Fisco “voltou à carga”, tendo avançado com um pedido de revisão dos casos que perdeu na arbitragem tributária a este propósito, mas tal não foi aceite, o que é sinónimo de mais uma “derrota” para o Fisco.
O “braço de ferro” sobre esta matéria arrasta-se desde, pelo menos, 2016. Os serviços de nutrição estão isentos de IVA e os restantes serviços pagam 23% de imposto, mas o Fisco tem insistido em cobrar a taxa geral em ambos os casos. Recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio dar razão aos ginásios, entendendo que estes podem prestar consultas de nutricionismo e separar as suas atividades para efeitos de IVA, ficando a nutrição isenta de imposto.
Imposto de selo retroativo a fundos de pensões é ilegal
O ano de 2021 arrancou com a publicação de um acórdão do Tribunal Constitucional que veio “chumbar” uma outra norma do já referido Orçamento do Estado para 2016, que permitiu ao Fisco cobrar retroativamente imposto de selo às comissões de gestão cobradas pelos gestores de fundos de pensões. Também neste caso, os juízes do Palácio Ratton foram claros: é proibida a criação de impostos com natureza retroativa.
De notar que, já em 2017, o Centro de Arbitragem Administrativa tinha apreciado essa norma, decidido anular a liquidação de 30 mil euros de imposto de selo, que tinha sido emitida pela Autoridade Tributária na sequência de uma inspeção tributária, e julgar procedente o pedido de indemnização por garantias indevidamente prestadas.
Fisco obrigado a devolver milhares de euros de ISV
O Fisco sofreu, no final de 2020, outra “derrota” relacionada com o Imposto sobre Veículos. Dessa vez, estava em causa o imposto cobrado a dois carros usados importados de outros países da União Europeia e a Autoridade Tributária foi forçada a devolver quase 50 mil euros ao contribuinte, valor ao qual acrescerem dois mil euros de custas do processo.
O ISV tem duas componentes: uma de cilindrada, outra ambiental. A primeira pode beneficiar de uma redução em função da idade do veículo, mas não a segunda, que acaba por ser calculada como se o carro fosse novo no momento da legalização e matrícula em Portugal. Tal faz disparar o imposto e, por conseguinte, o preço das viaturas, além de discriminar os automóveis importados. Os tribunais portugueses têm vindo, sucessivamente, a condenar o Fisco a devolver o imposto cobrado a mais, precisamente porque a fórmula de cálculo do ISV não faz refletir a idade do veículo na parte da componente ambiental do imposto.
Artigo publicado pelo ECO