Crise de mão-de-obra e fraca produtividade dificultam redução de horas. E concentrar horário em menos dias não é viável para muitos setores e trabalhadores. O mundo do trabalho mudou com a pandemia, mas as fórmulas e caminhos que funcionam ainda estão a ser descobertas. E a ideia de reduzir carga laboral não tem aplicação fácil – nem é facilmente aceite.
Com a maioria absoluta conquistada pelo PS, Portugal poderá avançar com semana de trabalho de quatro dias. Assim escrevia o The Telegraph há uma semana, tirando a conclusão lógica da promessa eleitoral de António Costa e da vitória das legislativas para juntar Lisboa a Madrid e Reiquiavique no leque dos que preparavam programas-piloto nesse sentido. “Não é para amanhã” e “não será possível seguramente em todos os setores”, explicou Costa quando avançou com a ideia, prometendo trazer o debate à sociedade mas garantindo que a Câmara de Mafra já pratica a semana de quatro dias “há muitos anos, de forma tranquila”.
A aplicação dessa ideia, porém, pode não ser tão virtuosa quanto parece à partida. Desde logo, o primeiro-ministro não foi claro quanto ao conteúdo: uma semana mais curta implicaria aumentar a carga horária nos quatro dias úteis? Ou passar a trabalhar apenas 32 horas por semana e descansar três dias? E neste caso, os salários seriam reduzidos em proporção; ou os trabalhadores receberiam o mesmo por menos 20% de trabalho?
Telmo Guerreiro Semião, da Cruz-Roque-Semião Advogados, explica que o tema não foi devidamente esclarecido e que há duas interpretações possíveis. Além das questões maiores, como o que a alteração significaria para um país cuja riqueza produzida por hora trabalhada é a 7.ª pior da Europa.
“A alteração pode referir-se à intenção de concentrar em quatro dias o período normal de 40 horas semanais (35 na função pública); mas também pode passar pela redução do período normal de trabalho de 40 para 32 horas. No último cenário, a mudança teria um impacto estrondoso nas empresas”, sobretudo se a redução de horas não fosse acompanhada pelo proporcional corte nos salários, alerta o advogado. “O nível de produtividade da economia portuguesa não se compadece com uma redução tão drástica nas horas de trabalho. A acontecer, teria um efeito desastroso na atividade económica.”
Numa comparação de base 100 (correspondente à produtividade por hora de trabalho na UE27), Portugal não vai além dos 67, enquanto Espanha se fixa nos 95. Atrás de nós, só Roménia, Letónia, Polónia, Croácia, Grécia e Bulgária. Juntando a isto a crise demográfica e a falta de mão-de-obra sem precedentes que o país atravessa em todos os setores, os efeitos da pandemia e o crescimento permanentemente anémico, reduzir o tempo laboral seria um desastre, concordam os empresários, que consideram a ideia “absolutamente irrealista”. E se admite que possa ser discutido adiante para certas áreas, “neste momento e para o turismo é impensável”, frisou nesta semana o presidente da Confederação do Turismo de Portugal, Francisco Calheiros.
“Numa altura em que escasseiam trabalhadores, o que aconteceria às empresas de mão-de-obra intensiva que tivessem de contratar mais para preencher os horários? E havendo, por milagre, pessoas disponíveis… como seria suportado esse sobrecusto?”, questionava António Saraiva. “O país tem um problema sério de produtividade, um grave problema de crescimento; é preciso é encontrar modelos que aumentem a capacidade de produzir riqueza”, defendeu também Armindo Monteiro, vice-presidente da CIP, ao Eco. Sem descartar, porém, a necessidade de mudanças que tragam flexibilidade, ideia que ganhou força em pandemia (leia ao lado).
Telmo Semião levanta também a questão da retribuição. Um cenário de redução para 32 horas implicaria um aumento automático de 20% nos salários, se não houvesse adaptação à redução horária. Isso “contribuiria para que a economia portuguesa corresse o risco de entrar em crise profunda”. E fazendo-se o corte, quantos quereriam trabalhar menos e receber menos?
Mas ainda que a intenção fosse concentrar em quatro dias a carga semanal de 40 horas – ideia desde logo rejeitada pela CGTP, que continua a advogar a redução generalizada para 35 horas -, a vantagem não é linear. “Poderá fazer sentido em alguns setores, noutros não seria de aplicação fácil”, diz o advogado. “O art.º 209 do Código do Trabalho prevê o regime de horário concentrado, permitindo-se o acréscimo até ao máximo de quatro horas diárias, podendo o período normal variar entre 8 e 12 horas. O horário concentrado poderá ser aplicado por acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora ou através de instrumentos de regulamentação coletiva”, esclarece. Mas impor a concentração não é o melhor para todas as empresas. Se em setores como indústria, tecnologia e agricultura “pode fazer sentido”, no caso dos serviços, tendo em conta o horário de atendimento ao público, distribuídos por cinco, até sete dias por semana, “seria bem mais complexo”.
Telmo Guerreiro Semião
Sócio Fundador
Artigo publicado no Dinheiro Vivo.