A pandemia da Covid-19 tem afetado o quotidiano das pessoas à escala global, com as implicações a manifestarem-se das mais variadas formas, desde as mais basilares que implicam vermos os nossos direitos, liberdades e garantias ser restringidos, a alterações às regras de saúde pública, impactos e desequilíbrios económicos, problemas sociais, entre muitos outros. O mercado de arrendamento habitacional também sentiu o impacto da crise pandémica. Explicamos tudo sobre estas alterações, com fundamento jurídico.
Nesta nova realidade mundial, todos os profissionais têm-se deparado com novos desafios, e para os juristas isso não é diferente, bem pelo contrário, visto que muitas daquelas limitações no nosso quotidiano decorrem diretamente de diplomas legais que, na sua maioria têm origem e sustentação legal na declaração do Estado de Emergência, tal como explica a CRS Advogados* neste artigo preparado para o idealista/news.
Constituição Vs pandemia
Ora, o direito à habitação é um dos Direitos Fundamentais consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), mais concretamente no artigo 65.º, e por isso mesmo e pela gravidade desta pandemia e inúmeras implicações, o legislador sentiu a necessidade, natural, de criar um conjunto de regras excecionais e temporárias de proteção a este direito.
Cingindo-nos neste artigo ao arrendamento para fins habitacionais, iremos elencar resumidamente algumas das medidas aplicadas desde a declaração do primeiro Estado de Emergência, sendo que, curiosamente, uma das medidas com impacto a este respeito e que muitas vezes se tem olvidado de referir, é mesmo anterior à pandemia e decorre das alterações promovidas pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, como veremos adiante.
Com a declaração do “primeiro” Estado de Emergência, através da Lei 1-A/2020 de 19 de março, quis-se assegurar que até à cessação das medidas de prevenção contenção e mitigação e tratamento da infeção epidemiológica, ficariam suspensos os efeitos das denuncias dos contratos de arrendamento e a execução de hipoteca sobre imóvel que constituísse habitação própria e permanente do executado. Contudo, certamente pelos tempos que então vivíamos, de uma falta de perceção das reais consequências da pandemia, cedo se percebeu que esta redação era deficiente e insuficiente. Assim, tal como o vírus evolui, também o mesmo acontece com a legislação.
O que resulta dos vários diplomas
Nos dias de hoje temos já inúmeros diplomas, possivelmente até demais, que regulam as relações de arrendamento, e que resultam na prática no seguinte.
Até 30 de junho de 2021 estão suspensos:
- A) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
- B) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
- C) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
- D) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
- E) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
Note-se, contudo, que os arrendatários para poderem beneficiar deste regime não podem ter rendas em incumprimento a partir de outubro de 2020.
O legislador salvaguarda, no entanto, uma exceção a esta regra, para os casos em que os arrendatários beneficiem do Regime Excecional para as situações de mora no pagamento das rendas devidas, no âmbito da pandemia – Lei 4-C/2020, de 6 de abril.
Podem então, ao abrigo deste diploma legal, beneficiar de apoios os arrendatários quando se verifique cumulativamente:
- A) Uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar do arrendatário face aos rendimentos do mês de fevereiro de 2020, do mês anterior, ou do período homólogo do ano anterior; e
- B) A taxa de esforço do agregado familiar do arrendatário, calculada como percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda, seja ou se torne superior a 35%;
Os arrendatários que estiverem nestas condições têm obrigatoriamente que comunicar ao senhorio isso mesmo, justificadamente e por escrito, até 5 dias antes do vencimento da renda.
Assim, se o arrendatário cumprir estes requisitos e dever de comunicação ao senhorio, pode beneficiar de um apoio financeiro na modalidade de empréstimo a atribuir pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que pode ser, dependendo da taxa de esforço, parcialmente convertido em comparticipação financeira não reembolsável, ou mesmo, quando a taxa de esforço destinada ao pagamento da renda seja igual ou superior a 100%, convertido na sua totalidade a fundo perdido.
E se o inquilino estiver desempregado?
Aqui chegados e com o aumento exponencial do desemprego, pergunta-se: e se o arrendatário numa situação de desemprego involuntário ao invés de recorrer a estes apoios, quiser simplesmente sair do locado, pode fazê-lo?
Pode, e curiosamente já o podia fazer antes da pandemia ao abrigo das alterações implementadas pela Lei 13/2019 de 12 de fevereiro ao artigo 1098.º do Código Civil (CC).
Nestes termos, o arrendatário que tenha ficado involuntariamente desempregado pode denunciar o contrato decorrido 1/3 do prazo de duração inicial do mesmo ou da sua renovação, desde que avise o senhorio, não sendo obrigado a cumprir o pré-aviso previsto na lei nem lhe pode ser aplicável nenhuma penalização pelo não cumprimento do pré-aviso.
*Filipe Pereira Duarte,
Advogado
Artigo publicado no idealista